domingo, 18 de dezembro de 2011

S.Vicente-Cabo Verde O BERÇO DA MORNA






S. Vicente - Cabo Verde O BERÇO DA MORNA
A melhor recordação que pode trazer de Cabo Verde são os amigos que fizer, as maravilhosas «tocatinas» improvisadas de «mornas» cantadas à viola, a riqueza da sua gastronomia e as
saudades das praias de areia branca banhadas pelas águas cristalinas do Atlântico.S.Vicente é uma ilha bastante seca, ocasionalmente bafejada por uma precipitação mais abundante no fim do Verão (Agosto ou Setembro) que sacia a terra ressequida e transforma a paisagem árida das suas serras em encostas verdejantes. A mais emblemática é o Monte Cara (pela silhueta de um rosto humano que o seu recorte apresenta), junto à Baía do Porto Grande e a mais elevada é, precisamente, o Monte Verde (774 metros). A agricultura e a criação de gado estão confinadas aos vales férteis que rasgam o centro da ilha, mas S.Vicente depende das produções agrícolas com origem nas ilhas vizinhas de S.Antão e S.Nicolau ou da importação de bens alimentares de Portugal, Brasil e Holanda. Com 227 quilómetros quadrados, é a terceira ilha mais pequena (depois da Brava e do Sal) entre as dez que constituem o arquipélago de Cabo Verde.
Muito centrado na cidade do Mindelo ou na Praia da Baía das Gatas (celebrizada pelo festival anual de música que ali é organizado desde 1984), o turismo ainda não se afirmou como motor de desenvolvimento em S.Vicente. Esta situação é tanto mais injusta, porquanto a ilha dispõe de outras praias com grandes potencialidades - casos da Praia Grande, da Praia de Salamansa, da piscina natural de Porto do Calhau e da Praia de S.Pedro (junto ao aeroporto), muito elogiada pelos praticantes de windsurf.«Quem ca conchê Mindelo, ca conchê Cabo Verde»«Quem não conhece o Mindelo, não conhece Cabo Verde»Manuel d'Novas, músico e compositor caboverdiano S.Vicente desenvolveu-se, sobretudo, pela actividade comercial e portuária da cidade do Mindelo, onde se concentra cerca de 75% da população da ilha (num total de 35 mil habitantes). Tudo começou no final do século XVIII, com o aparecimento dos primeiros barcos a
vapor no Atlântico, que necessitavam de portos de escala para reabastecer de carvão. Ao longo do século XIX, todos os transatlânticos a caminho de América do Sul e outros países de África faziam escala no Mindelo, tendo a cidade alcançado o seu apogeu nas primeiras décadas do Século XX.
A cidade do Mindelo é uma das poucas cidades do mundo onde se respira uma atmosfera invulgar e muito própria, que é sempre difícil descrever por palavras. Ao clima ameno, pautado
por uma temperatura suave, juntam-se a harmonia do traçado das ruas e as reminiscências da arquitectura portuguesa em edifícios admiravelmente preservados.
O antigo Palácio do Governador (hoje, Palácio do Povo), constitui o expoente máximo dessa preservação e é, porventura, o melhor exemplo de arquitectura colonial portuguesa em África. Pena é, que as suas portas e janelas permaneçam encerradas à curiosidade do grande público e que se desconheça, por agora, o destino que o futuro lhe reserva. Outros edifícios merecem,
igualmente, destaque. É o caso da Drogaria Central, junto à Câmara Municipal do Mindelo, que ainda conserva o balcão e os armários de origem; da antiga Alfândega, hoje transformada em centro cultural; ou dos edifícios da rua de Lisboa recém-recuperados pelo BCA (Banco Comercial do Atlântico) e pelo Centro Cultural Francês.Todavia, a atmosfera do Mindelo é indissociável da hospitalidade e do calor humano das suas gentes. É difícil encontrar melhor receptividade e simpatia que a dos caboverdianos.Do atendimento nas lojas, hotéis e restaurantes aos taxistas, passando pelos simples transeuntes que cruzamos na rua e nos indicam uma direcção, todos se revelam prestáveis e exprimem uma hospitalidade natural para com os estrangeiros especialmente, se forem portugueses. Os laços com Portugal permanecem fortes, não só na língua comum, como em muitos traços da cultura popular e do desporto, com destaque, naturalmente, para o futebol, capaz de inflamar as mais acessas discussões entre adeptos dos principais clubes.
Liberto de quaisquer fantasmas colonialistas que alguns mal intencionados ainda procuram
inculcar, o caboverdiano orgulha-se das suas origens mestiças e de ser o produto do cruzamento entre naturais da Europa e continentais de África. Mas são, obviamente, mais africanos e
detentores de uma cultura e identidades próprias que se reflectem de sobremaneira nas mais diversas manifestações artísticas: a música, onde os melhores intérpretes de «mornas», «coladeras» e «funaná» ganharam já o justo reconhecimento internacional (Cesária Évora, Ildo Lobo, Ana Firmino, Titina, Hermínia, Travadinha (já falecido), entre muitos outros); a gastronomia, enriquecida pela grande variedade de peixes e mariscos, mas onde não faltam pratos tradicionais como a «cachupa» (carne de porco com feijão, milho, batata doce, inhame e mandioca); a literatura, com romances que retratam as suas vivências e modo próprio de sentir (as sementes lançadas pela viragem introduzida no romance caboverdiano por Baltazar Lopes da Silva, em 1947, com a sua obra prima «Chiquinho», encontrou nas narrativas de Germano de Almeida o seu melhor dísciplo); o carnaval de S.Vicente, num desfile tipicamente brasileiro; o cinema, através de uma geração de actores e realizadores que dão corpo às personagens mais características das ilhas; o teatro e a pintura, tapeçaria, olaria e artesanato que, infelizmente, enfrenta a dura realidade da escassez de recursos para dar livre curso a uma imaginação mais exuberante. Desiluda-se o viajante que procura recordar a sua estadia em Cabo Verde com artefactos locais, tão comuns em outros países africanos. Aqui não encontrará essa diversidade, à excepção de algumas lojas e galerias do centro da cidade do Mindelo, que não hesitam em importar de Dakar, no Senegal, peças de artesanato, vestuário e outras «bujigangas» para satisfazer a crescente procura dos turistas.

Texto e fotos: Alexandre Coutinho

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