terça-feira, 15 de novembro de 2011

Espionagem à Portuguesa - Pelo Juiz Rui Rangel

A espionagem é a prática que consiste na recolha de informações de carácter secreto ou confidencial, dos rivais ou inimigos, sem autorização destes, com o fim de alcançar certa vantagem política, económica ou militar. 

Confesso que gosto da palavra espionagem, porque cria em mim um certo frenesim. Palavra de enorme significado histórico, que traz à memória os tempos da Guerra-Fria.

O termo ‘espionagem’ convive mal com o nosso léxico. Já na II Guerra Mundial os nossos ‘espiões de trazer por casa’ fizeram uma figura triste, porque se dedicaram a esta prática por dinheiro e não por ideias ou convicções. Uma boa espionagem até que sabe bem. Exige um guia de truques, de tácticas e de ilusionismo. Mas a tese urdida pelo nosso ministro Vieira da Silva, esta, sim, de verdadeira contra-espionagem, é que deve ser repudiada, no que à Justiça diz respeito. Nunca soubemos ser espiões de coisa alguma, a não ser das sandes de couratos que são vendidas em qualquer roulotte Por isso, não é para levar a sério o que disse aquele membro do governo Sócrates.

Espião político, à moda portuguesa, que espia outro político, tem cem anos de perdão. Espião político, que espia os actores principais da Justiça, que a tenta condicionar ou intimidar e que não aceita o seu escrutínio, julgando-se acima da lei, merece condenação e reprovação social dos portugueses. Uma coisa é a capacidade de nos indignarmos, outra, bem diferente, é torpedear e atropelar as competências de cada um dos órgãos de soberania. Falar em espionagem política, embora seja um exagero, faz parte da disputa ou do jogo político e ideológico entre partidos. Falar de espionagem judiciária ou emboscada judiciária é meter a foice em seara alheia e isso não fica bem a um membro do governo.

O respeito pelo princípio da separação de poderes obriga a esclarecimentos públicos, sobre a espionagem judiciária, que é a que nos interessa, porque a outra pertence ao universo da política partidária. Se existem informações a este nível e contra a lei, praticadas pelos tribunais, que se divulguem, porque é informação de relevante interesse público; se não, que essas vozes se calem para sempre. O tacticismo político-partidário e a defesa da família política, com fins pouco transparentes, não justificam nem legitimam que se tente pressionar ou impedir a acção dos tribunais.

Mas reconheço que é chegada a altura de o Ministério Público prestar contas da violação do segredo de justiça e de produzir resultados visíveis, e com eficácia, nos processos mais mediáticos, que são estes que conferem a boa ou má imagem da Justiça.

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