terça-feira, 15 de novembro de 2011

Lisboa, capital europeia da espionagem - Parte 1


Portugal, em cuja capital se ouvia então falar todas as línguas europeias, tornou-se, no período da II Guerra Mundial, uma importante placa giratória de informações, mercadorias e pessoas. Sob os olhares atentos dos portugueses e da imprensa, passaram, por Lisboa, embaixadores dos países beligerantes, a caminho da Europa ocupada ou de Londres e dos Estados Unidos da América. 

Através de uma política sinuosa de exploração das contradições entre os dois campos beligerantes, Salazar conseguiu manter uma neutralidade, declarada em 1 de Setembro de 1939. Neutralidade, aliás possibilitada tanto pelo Eixo como pelos Aliados, que começou por ser «equidistante». 

A partir de 1943, após o desembarque no Norte de África e a derrota alemã em Estalinegrade, quando o desejo salazarista de uma «paz sem vencedores nem vencidos» se tornou inexequível, instalou-se no seio do regime o medo de que a vitória aliada acarretasse o fim do Estado Novo. Foi nesse período, num contexto interno de agitação social, que a neutralidade portuguesa passou de a «colaborante» com os aliados anglo-americanos.

Do lado dos britânicos

   Um dos campos em que Portugal foi «equidistante» até ao fim da guerra foi o da espionagem dos dois campos beligerantes. Até 1939, a espionagem britânica actuava desligada do Foreign Office, mas, com o início da guerra, a estação secreta inglesa, fechada nos anos vinte, foi reaberta no Consulado da Grã-Bretanha, em Lisboa, sob a direcção de Phillip Johns. Este trabalhava simultaneamente para o Special Operation Executive Committee (SOE) e para o Secret Intelligence Service (SIS) – ou secção V (de contra-espionagem) do MI6. Além destas duas agências secretas, também operavam em Lisboa, a Naval Intelligence Division, a Military Intelligence Service e o MI9.

O MI9 e o SOE em Portugal 

Dirigido por Donald Darling, funcionário do mesmo Consulado, o MI9 organizou fugas de prisioneiros e militares aliados, dos países ocupados pelo Eixo, mantendo linhas de entrada e de saída clandestina, através de Gibraltar e de Lisboa, a caminho de Londres. Entre Junho e Agosto de 1941, a PVDE detectou uma rede que introduzia clandestinamente, em Portugal, franceses e polacos em idade militar, ex-combatentes dos exércitos dos países ocupados, foragidos de campos de internamento franceses e opositores políticos alemães, detendo cerca de cinquenta clandestinos. Pertenciam a essa rede o inglês Victor Reynolds, proprietário da Quinta do Carmo, no Alentejo, e diversos portugueses, entre os quais se contava Mário Pinto Levy. 

Quanto ao SOE, especializado em acções de propaganda nos países do Eixo e de sabotagem na Europa ocupada, era dirigido, em Portugal, por Jack Grosvenor Beevor, adido militar da Embaixada britânica em Lisboa. A partir de 1941, o SOE organizou, com o apoio de portugueses, um movimento de resistência contra uma eventual invasão alemã de Portugal, através da rede «Shell», assim chamada, por ser dirigida por Cecil Rogerson, vice-cônsul britânico e delegado dessa empresa petrolífera no Porto, bem como constituída por outros empregados nessa firma holandesa. Avisada pela polícia espanhola, que, por seu turno, soubera da existência da rede, através dos serviços secretos alemães, a PVDE desmantelou-a e prendeu, entre Setembro de 1941 e Maio de 1942, cerca de setenta e cinco pessoas.
Entre estas contavam-se William Frederick Cobb, Jinnings, John Smith, Charles William Everett, consultor de navegação, e Geoffrey Murat Tait, director do centro dos serviços de imprensa da Embaixada britânica. No sul de Portugal, actuavam ainda para a rede, Henry Brown, funcionário das minas de S. Domingos, um indivíduo de apelido Booth, Falconner, vice-cônsul em Vila Real de S. António, Henry Palmer, David Show, Mason, Marguerite Windsor, Paul Cardinal e Barley Cruser. Perante o embaraço do embaixador britânico, que privilegiava a manutenção de boas relações com o regime salazarista, a PVDE expulsou discretamente de Portugal a maioria dos ingleses envolvidos.

Entre os portugueses, contou-se José Magalhães e Meneses (conde de Vilalva), pelo qual intercedeu John Balfour, conselheiro da Embaixada inglesa, junto do governo português. Menos sorte tiveram doze outros portugueses implicados na rede «Shell», que foram violentamente interrogados pela PVDE e enviados para o campo de concentração do Tarrafal. Ocupando-se da estrutura logística, da vigilância do tráfego marítimo e aéreo bem como do reconhecimento dos objectivos estratégicos, os portugueses tinham um trabalho de retaguarda e de apoio a uma possível entrada de comandos ingleses, aos quais caberiam as acções directas de sabotagem. A rede «Shell» tentou também montar em Portugal um centro difusor de propaganda para os países ocupados, financiou a revista portuguesa de desporto Stadium, elaborou listas de simpatizantes anglófilos e vigiou os germanófilos portugueses.

A rede britânica de agentes duplos

Após o fim da rede «Shell», a secção V do SIS-MI 6, a cargo da qual estava a contra-espionagem inglesa, reforçou o sistema de detecção de agentes secretos alemães e criou uma rede de espiões duplos. Um dos mais célebres foi o jugoslavo Dusko Popov, na realidade um espião britânico, que, entre 1940 e 1944, foi operacional do «double cross system» (XX Commitee, organismo do MI5, especializado em agentes duplos). Popov terá, nomeadamente, transmitido, aos ingleses, informações sobre o ataque japonês a Pearl Harbour e o projectado rapto do duque de Windsor, em Portugal, pela Gestapo.

Outro dos espiões duplos que também actuou em Portugal, na realidade ao serviço dos ingleses, foi o célebre «Garbo», ou seja, Juan Pujol, natural de Barcelona. «Garbo» contactara os serviços secretos alemães em Madrid, convencendo-os de que, com o pseudónimo de «Arabel», espiaria por sua conta em Lisboa, mas ao mesmo tempo ofereceu-se para trabalhar na realidade para a Intelligence Service britânica. Esta incumbiu-o de transmitir, à Abwehr alemã, informações erradas sobre a localização do desembarque aliado, no continente europeu, a realizar em Junho de 1944, na chamada operação «Fortaleza».

Do lado dos aliados, embora com menor peso, também actuaram em Portugal a BCRA gaullista e os serviços secretos norte-americanos, o Federal Bureau of Investigation (FBI), de Edgar Hoover, e, a partir de 1942, o OSS (Office of Strategic Service). A estrutura informativa desta agência viria a ser utilizada, no final da guerra e no pós-guerra, pela Central Intelligence Agency (CIA), montou, em 1944. Os serviços secretos soviéticos, nomeadamente a Rote Kapelle, também teriam actuado em Portugal, durante a II Guerra Mundial, através de alguns comunistas portugueses e de judeus refugiados em Lisboa.

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